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[DF] DIÁRIOS FILMADOS E AUTORETRATOS
Comissário: Augusto M. Seabra

A invenção do cinematógrafo foi também um facto familiar, obra de dois irmãos, Louis e Auguste Lumière. E, de resto, de La Sortie des usines Lumière a Le repas du Bébé, vários dos mais conhecidos filmes dos irmãos inscrevem-se num espaço familiar, mesmo quando de passagem já para o espaço propriamente público, como em La Sortie des usines.

A consagração do cinematógrafo como espectáculo público colocou nas margens essa possibilidade afinal já anunciada desde as origens: a de que, como as fotografias, também o cinematógrafo era meio de registo e memória de histórias individuais e familiares.

A consagração do novo aparato não apenas como espectáculo mas também como arte, ocasionou, no intenso fervilhar dos anos 20, as premissas do que viria a ser conhecido como “cinema experimental” e que em substância foi a procura de formas e expressões originais, exteriores à hipercodificação consagrada com a introdução do sonoro ou, mais rigorosamente, do “cinema falado”. A obra cinematográfica de um artista como Man Ray é um dos exemplos, e se a introdução do sonoro o fez abandonar as suas experiências cinematográficas, o facto é que ocasionalmente ele ainda filmou cenas do seu quotidiano e círculo de relações, homemovies que, como La Garoupe, têm um inegável valor documental quando os participantes filmados são, além de Man Ray, Picasso e Dora Maar ou Paul Éluard.
Homemovies justamente – a prática cedo se vulgarizou, constituindo um rasto e um arquivo que, sendo pessoal e familiar, não deixa também de ser parte do registo material e documental do século XX – um material das suas micro-histórias.

No caso de um “clássico” do cinema autobiográfico como Film Portrait de Jerome Hill, o facto da abastada família do artista ter desde muito cedo, desde a primeira década século XX, introduzido o cinema e as suas práticas no interior do espaço doméstico, foi uma das premissas com as quais mais tarde o artista pôde realizar o seu autoretrato em filme, ou seja, como que explicitando um outro protocolo. “my life as a film”.

Nas anteriores edições do doclisboa, a retrospectiva dedicada a Ross McElwee e a apresentação de filmes de Naomi Kawase foram evidência eloquente da importância da inscrição pessoal do sujeito, do “Eu” e da autobiografia, no trabalho de alguns dos mais singulares e salientes cineastas contemporâneos.

Como sempre, as propostas estéticas fundam-se também nas inovações. A crescente vulgarização de materiais cada vez mais ligeiros e a facilidade de manuseamento das câmaras mais possibilitaram os homemovies e os travelogs, como também o projecto de ir fazendo a autobiografia por meio de filmes, como desde há décadas o faz Jonas Mekas.

Num quadro em que a proeminência dos meios televisivos cria também um mecanismo tendencialmente totalitário de formatação dos modos de ver e de solicitação à obscena exibição pública da privacidade, quando o panopticum imaginado por Jeremy Bentham se concretiza distopicamente na generalização dos meios de visão e vigilância das sociedades de controle, não deixam também de haver outras possibilidades, pessoais, estéticas e também políticas, de radicalizar a subjectividade do olhar sobre as matérias concretas e o decorrer do tempo, prosseguindo a realização de Diários Filmados e Autoretratos. Esse é afinal talvez um dos mais relevantes exemplos desta presente vida em fragmentos analisada por Zygmunt Bauman, e um meio de construção e afirmação de identidades.
Em Diários Filmados e Autoretratos olhar-se-á retrospectivamente para estas possibilidades de cinema, apresentando também obras muito recentes.

Augusto M. Seabra